Por um marco regulatório específico da atividade cultural
O momento é agora !!!
As chamadas notas de favor serviram como o principal objeto de matéria que ocupou a capa e as principais páginas do jornal O Globo, em sua edição de domingo, 02 de agosto de 2009. Nela, se revela o que todos nós, artistas, produtores, coletivos, empresas, organizações e trabalhadores dos diversos elos da cadeia produtiva da cultura já sabíamos. Até o próprio veículo de comunicação, autor da matéria e as empresas a ele associadas, assumem se valer deste expediente, abrindo, assim, o que talvez seja a melhor oportunidade para que governos, sociedade, grandes, médios e pequenos produtores, artistas e trabalhadores da cultura, se sentem à mesa e mergulhem num amplo debate focado na construção de um marco regulatório específico das suas atividades.
Assumimos aqui à responsabilidade para a qual, o cantor e fundador da CUFA, MV Bill, em artigo publicado na mesmo edição de O Globo, chamou a atenção: iniciar o debate, visando alcançar não só as questões tributárias e fiscais, mas as novas relações de trabalho geradas pela especificidade das atividades de artistas e demais profissionais inseridos nas cadeias produtivas da cultura.
Consideramos e valorizamos a Consolidação das Leis do Trabalho como uma grande conquista para a classe trabalhadora, mas ancorados em nossas experiências, podemos afirmar que os novos tempos e as novas possibilidades produtivas abertas pela sociedade da criatividade exigem, especialmente, no campo das nossas atividades, repensar as relações de trabalho e, com este manifesto, afirmamos ser esta, também, uma discussão imperiosa da produção cultural e artística, geradora das condições objetivas para ela seja vista e apropriada como vetor de desenvolvimento.
Subscrevem este manifesto, os sujeitos produtivos da cultura dispostos a assumir de verdade um lugar nesta mesa de debate. O fazemos porque temos a certeza de que entrar no armário e buscar o anonimato neste momento, será amargar, no futuro próximo, a responsabilidade de não usar a "denúncia" de um fato que alcança a todos, como o elemento motivacional que faltava para "botar o dedo na ferida da cultura brasileira", com o objetivo de encontrar o remédio certo para curá-la, colocando-a e a todos nós, em condições regulares de um diálogo formal com a legislação tributária, fiscal e trabalhista.
Não se tratar de privilégios, como os que historicamente, foram e continuam sendo oferecidos para um conjunto de atividades produtivas na indústria, no comércio, no serviço, no agronegócio e, em outras nem tanto produtivas como o mercado financeiro. Mas disputamos aqui, sim, um tratamento diferenciado e adequado aos tipos de atividades que de dão forma a produção cultural e artística, que possibilite o cumprimento de nossas obrigações fiscais e tributárias, assim como gere o efetivo acesso a direitos e benefícios sociais a milhares de trabalhadores de arte.
Estamos dispostos a construir com a participação efetiva, do Poder Executivo, Legislativo e com os órgãos de controle os mecanismos que fortaleçam a atividade produtiva no campo da cultura como vetor de desenvolvimento do Brasil. Somos capazes de ajudar na construção de novos paradigmas de desenvolvimento sustentáveis afinal nossa principal matéria prima e capital é a criatividade humana.
Neste manifesto, reconhecemos os esforços do Governo Federal que, nos últimos anos, especialmente, no período marcado pela gestão do ex-Ministro da Cultura Gilberto Gil e do atual Ministro Juca Ferreira, possibilitaram vivenciarmos importantes processos para a atividade cultural brasileira, entre eles, a ampliação do financiamento público direto, com editais abertos à concorrência pública; com novos desenhos das políticas de investimentos social e cultural efetuados pelas empresas estatais, também através de editais públicos e mecanismos transparentes de acesso aos recursos de patrocínio que elas vêm destinando para estas áreas; assim como a adoção de programas, hoje internacionalmente reconhecidos por organizações como a UNESCO, caso em que se inscreve o Programa Cultura Viva, que revelou e reconheceu como Pontos de Cultura, sujeitos produtivos da arte e cultura nos segmentos, estratos e territórios populares, investindo neles recursos que potencializam suas capacidades para articular as dimensões simbólica, cidadã e econômica do fazer artístico.
Todos, portanto, que aqui subscrevem este manifesto, valorizam a atual período de consolidação de formulação, execução e consolidação de políticas públicas para a cultura, mas concordam que, ainda, há um temário pendente de abordagem e reflexão, como este, que vem a pauta com força total na matéria de O Globo - como operar recursos públicos e/ou privados no mercado de cultura, lazer e entretenimento, que compõem pequenos, médios e grandes orçamentos, a luz de uma carga tributária e fiscal, que passa longe da política pública de cultura que, acertadamente, se pretende para o Brasil?
Filiamos-nos a corrente daquele que defendem o Plano Nacional de Cultura, que lança o país (ainda que tardiamente, ou seja, 25 anos depois que países como a Inglaterra criou estruturas de fomento e desenvolvimento da atividade criativa como fonte geradora de riquezas e desenvolvimento), no desafio de visibilizar, valorizar e apropriar a cultura como segmento estratégico do desenvolvimento econômico, social e humano, ancorado em números que colocam as atividades produtivas que tem como principal capital a criatividade humana, entre as que mais crescem em importância no PIB mundial, superando em pelo menos 4% todos os outros segmentos da atividade econômica, assim como as gestões para a sua consolidação, discutem de maneira muito tímida, ainda, o diálogo entre Cultura e Mercado.
Mas, também, colocamos em questão o fato de que ao mesmo passo em que o Ministério da Cultura do Brasil tenha colocado o bonde no trilho certo, lançando o debate de Cultura e Desenvolvimento, a equipe econômica do governo impeça que o bonde pare nas estações das cadeias produtivas do mercado cultural. Vide a recente elevação da carga tributária das empresas de produção cultural que foram retiradas do Sistema Simples e dos pequenos trabalhadores, artistas, produtores e fazedores de arte, essenciais às cadeias produtivas de pequenos, médios e grandes orçamentos, que não foram alcançados pelos benefícios da Lei Complementar n. 128, de 19 de dezembro de 2008, lei esta que, entre outras disposições, possibilita a criação e regulamentação de um novo sujeito produtivo formal denominado Empreendedor Individual que, em parte, resolveria algumas das questões abordadas por este manifesto.
De acordo com informações postadas no "Portal do Empreendedor" do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, milhares de trabalhadores que hoje exercem suas atividades de maneira informal, se optarem pela legalização transformando-se em um Empreendedor Individual, poderão ter acesso a benefícios como: cobertura previdenciária; contratação de funcionário com menor custo; isenção de taxas para registro da empresa; ausência de burocracia; acesso a serviços bancários, inclusive crédito; compra e venda em conjunto; redução da carga tributária; controles muito simplificados; emissão de alvará pela internet; cidadania; benefícios governamentais; assessoria gratuita; apoio técnico do SEBRAE na organização do negócio; possibilidade de crescimento como empreendedor; e segurança jurídica. Além disso, é claro, o Estado em seus três níveis de gestão (municipal, estadual e federal) irão arrecadar de forma justa e humanizada as devidas contribuições e impostos destes trabalhadores, ampliando (em escala) a sua receita para realizar investimentos e arcar com as despesas das funções de governo. Este é um jogo legal!!! Um jogo que todo mundo ganha!!! Não é Estado e Sociedade se colocando em campos opostos, mas construindo alternativas para a formalização de inúmeras atividades produtivas, exercidas por hoje cerca de 11 milhões de trabalhadores em todo o Brasil, segundo a Agência Brasileira de Notícias.
Curiosamente, embora os mágicos, instrutores de música, instrutores de artes cênicas, instrutores de cultura em geral e promotores de eventos, sejam alcançados pelos benefícios da referida Lei, as atividades relacionadas à produção cultural e artística e produção cinematográfica e de artes cênicas, foram textualmente excluídas dos benefícios da Lei, impossibilitando aos trabalhadores que atuam nos diversos elos das cadeias produção da cultura, entre os quais aqueles apontado pelo artigo do "Produtor Cultural que pediu para não ser identificado", publicado na matéria do jornal abordada nestas linhas, como contra-regras, camareiras, operadores de luz, aderecistas, e aí incluímos os diretores, atores, roteiristas, assistentes de direção, iluminadores, etc, etc, etc.
É impossível dizer quantos, mas seguramente alguns milhares do outros brasileiros e brasileiras que exercem estas atividades ampliariam bastante os 11 milhões anunciados pelo Governo, entre os quais parte dos que assinam o presente manifesto.
Se por um lado pode estar aí incutida, a preocupação com a precarização das relações de trabalho, por outro estão claras as dificuldades de se criarem vínculos trabalhistas com estes profissionais pelo caráter pontual da utilização da sua mão-de-obra, bem como a difícil decisão do contratante de utilizar meios remuneratórios como através dos chamados rpa´s que suscitam vínculos e despesas onerosas tanto para eles, quanto para o trabalhador de cultura que muitas das vezes é o primeiro a sugerir a remuneração pelas chamadas notas de favor, porque vamos lá e viemos cá, a retenção do IRPF é uma mordida desproporcional na renda de nossas atividades hoje que, pelo caráter descontinuado, nos colocam sempre na certeza de não saber se a teremos daqui os próximos meses.
Não aceitamos também a tentativa de criminalização das nossas atividades pelos especialistas, que com suas avaliações frias, prestam um desserviço à cultura brasileira. Deles, esperamos, diante de um quadro como este, ajudar na construção de um marco regulatório específico para a atividade artística e cultural. Estamos certos de que a tipificação de crime contra ordem tributária é um caminho fácil para encontrar alguns poucos bodes expiatórios e coloca-los na sala, sem enfrentar com coragem, determinação e verdade, uma crise estrutural que coloca todo o setor cultural (empresas, organizações e profissionais da arte) no limbo da busca de jeitinhos para se viabilizarem ante a falta de um marco regulatório específico pelo qual propugnamos.
A verdade, embora, muitos não venham a público assumir a sua parcela de responsabilidade nesta discussão, é que empresas públicas e privadas, pessoas físicas e jurídicas dos mais diferentes setores da atividade econômica, o tempo inteiro pensam e constroem estratégias visando reduzir os impactos da carga tributária, fruto de uma prometida reforma tributária que nunca chega. Esta aí revelada a estratégia das notas de favor apenas para confirmar uma prática, com certeza adotada por muitos outros setores da atividade produtiva, estratégia esta validada e, de certa maneira estimulada pelos próprios órgãos públicos gestores da atividade cultural, basta avaliar alguns editais públicos, como é o caso de editais da FUNARTE - Fundação Nacional de Arte do Ministério da Cultura que ao dar a possibilidade à artistas (como pessoas físicas) de concorrerem ao financiamento, textualmente, reconhecem a possibilidade de serem representados por pessoas jurídicas que, assumam a responsabilidade solidária pela execução das obrigações.
Por fim e não menos importante é dizer que a atividade cultural, além de importante vetor de desenvolvimento é construtora de identidades, pertencimentos e meios, especialmente, nos últimos anos de inserção sócio-produtiva, particularmente de jovens, os que mais sofrem as dificuldades para encontrar espaços no mercado formal de trabalho cada vez mais estreito.
O debate está posto!!! A matéria de O Globo, não conseguimos ver, senão como positiva e como o ponta pé inicial de um amplo debate, sem hipocrisias e demagogias, mas o debate responsável e consequente para de vez por todas tornar os sujeitos produtivos da arte visíveis à luz da legalidade, mas um tipo de legalidade adequada à sua atividade, com consequências efetivas na afirmação e apropriação da cultura como campo estratégico para o desenvolvimento social, humano e econômico do Brasil.
E nestes termos, os subscritores, propõem ao Governo Federal, Estaduais e Municipais, bem como aos Poderes Legislativos, assumindo com eles o desafio de, construir a saída desta crise estrutural da atividade produtiva na cultura.